Aprendendo a ser

Minha foto
Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

24 de fevereiro de 2010

Sentidos inválidos


Estava faltando algo que preenchesse aquela vida, com algum sentido não necessariamente lógico, mas necessariamente incitante, estimulante... algo que, pelo menos, trouxesse algum sopro de alegria, de alegria genuína. Chega uma hora em que se cansa das carcaças sempre tão encobertas por mil capas de misérias não recuperadas. Duras carapaças que de tão profundas e contidas de sofrimento, só deixam à amostra um superficial que agrada aos olhos dos tolos. Um sorriso não diz nada! A visão, esse sentido veloz, sempre nos enganou, pois o imediatismo nunca nos foi franco. Ele subverte o que está recôndito à tola visão. A máscara de alguma, quem sabe, profunda decepção é tão cautelosa que jamais se deixaria entrever por um olhar distraído e de canto de olho! Um orgulho que tenta disfarçar a fraqueza não permite olhar com franqueza...nem vê-la em seus gestos mínimos, esses são os que, de fato, revelariam a verdade das coisas, porque a verdade não se mostra assim, não está aos olhos de todos. Uma cabeça erguida nem sempre é sinal de vitória. Aquele olhar que lançamos por cima em sinal de orgulho se fecha demais e não alcança a totalidade.
Sorrir é muito fácil, o sorriso criado como expressão desse tão sonhado e quiçá ilusório estado de espírito, designado felicidade, foi usado por alguém, pela primeira vez, na intenção de expressar esse estado d’alma, mas constantemente usado como uma tentativa de quem, mesmo que por breves instantes, mostrar que tudo anda bem, sendo que sorri apenas, porque cansou de chorar e se julga outras vezes feliz porque cansou de estar triste.
Tentou, inutilmente, compreender seu desejo de solidão, de uma solidão que fosse sua amiga, que compreendesse sua dor inexplicável, sua dor insana, que por vezes beirava o precipício de uma loucura, contida a muito custo e que, muitas vezes, tomava ares de total sobriedade e comedimento. Esse desejo incoercível dominava quando fechava a porta daquele espaço tão indiferente à sua dor, na vã tentativa de não deixar escapar o resquício da segurança de que tanto queriam cerca-la, mas aquela aparente atmosfera de paz trazia a dúvida. E se tentasse? Não. Não seria capaz, os vãos das frestas eram pequenas demais, não poderia escapar. Quatro paredes frias, iguais e indiferentes de um compartimento que limitava cada vez mais os movimentos pareciam trazer consolo. A cama alta e macia compunha um cenário testemunha do medo incontível. Janelas bem fechadas, sem uma fresta de luz. Desejos reprimidos. Tudo era de uma paz duvidosa. De uma paz que não permitia uma elevação de voz, um cantarolar de alguma canção, um bater mais forte de portas. A porta sempre fechada metodicamente. Vozes baixas, choros mudos. Uma audição mais aguçada ouviria aqueles murmúrios de socorro. Nem o vento trazia mais um pouco de vigor àquela vida que pulsava apenas pelo costume de pulsar. O desencanto de esperar por algo que talvez nunca chegaria, trazia o desespero e desistia. Tudo exalava a mofo e os ácaros penetravam pela sua narina, impedindo até o olfato da agradável sensação que os cheiros nos trazem. Quando havia alguma distração, e a porta, sem querer, se abria, trazendo algum sopro que anunciasse, quem sabe alguma mudança, havia um susto que lhe fazia correr novamente para fechá-la.
Um dia impôs-se a obrigação de sair dali. Pouco a pouco foi amargando a passos incertos, que quase tombavam. Já sentia perder o domínio dos movimentos, afinal a lei do uso e desuso se vazia valer naquele momento. Sempre sentada, situação cômoda pra quem se recusa e muitas vezes também é impedido de caminhar sozinho. Foi testando aqueles novos espaços que seus pés hesitantes iam desbravando. Posição incorcovada, acovardada, incomodada. Não expor nada. Esse sempre fora seu objetivo. Um coração que nem se mostra, como dizia a poeta - e digo a poeta, porque assim era que Cecília se intitulava. Uma pequena fresta permitiu breve contato com a luz que tentava irradiar a sua vida. Aqueles reflexos a assustaram e quase a deixaram cega. Cambaleou, voltou-se um momento como quem desiste, parou, pensou, mas seguiu resoluta, apoiou-se numa mesa, símbolo maior do lar, e continuou. Naquele semblante havia um certo ar de neutralidade, que se confundiria com indiferença. Alguém que pudesse desvendá-la, descobriria que sua verdadeira face seria bem mais bonita do que aquela. Uma boca fechada, quem sabe tivesse tanto a dizer; o olhar, sempre motivo de tantas ilusões despertadas, inquietava-se na eterna busca ou acomodava-se na eterna espera. Uma marca cansada na testa. A pele se eriçava pelo simples contato com o vento. O nariz, como de um cão farejador, tentava se alcançar o que pelo sentido, o que tanto queria. Não se sabe se essa tentativa foi bem sucedida ou não, pois um pássaro aprisionado, quando re-experimenta a liberdade, já tem perdido a muito a habilidade de voar.

16 de fevereiro de 2010

Por fim, uma liberdade

"Onde a vida é de sonhar, Liberdade!"
Los Hermanos- Liberdade
Seria como a felicidade?
um breve momento semelhante a uma euforia vazia?
Seria se entregar por fim a uma brisa errante que por acaso tocasse seu rosto no que se esperava o vácuo?
Seriam as luzes encandescenters de uma festa de premiação em que o escolhido fosse o azarão?
pego de surpresa na inesperada anunciação de seu nome?
Seria o expandir da cauda de um cão nos pulos descompassados ao ver o dono na chegada inesperada?
Seria esquecer as instituições, as convenções, os mandamentos, os sete sacramentos e fazer algo por pura vontade vadia de quem sente a energia do momento pleno?
Seria um vazio preenchido a sufocar o vazio que só saberá definir por não tê-la?
Será as ínumeras definiçoes enciclopédicas?
A busca pela palavra certa, será por fim uma liberdade concedida aos que a buscaram a palavra no meio do caos dos pensamentos perdidos pela própria falta de definição?
Será a confusão das multidões em que voce pode andar sem sentir os pés alcançarem o chão
e ser transportado pelo movimento desordenado das loucas multidões que não sabem para onde vão?
será as torcidas de futebol que se inflamam aos berros vãos tentando comandar a vitória do time do coração?
Liberdade será por fim um cavalo selvagem a correr pelo arado buscando o que ele nem mesmo saber pela pura ânsia instâtanea por uma corrida consigo mesmo?
Liberdade será, para minha tristeza, o sentido mais desgastado, fazer o que bem se quer sem dar satisfação a ninguém?
Tendo a não-orientação. Ser quem só faz o que quer porque ninguém se importa mesmo com sua tola liberdade?
Será o estranhamento de um voar desconhecido, em que as asas se interrogam se aquilo é real?
Será somente contemplar a liberdade alheia?
Contemplar um pássaro que seja a voar livremente te faz livre?
A fluidez, as alturas, o céu de baunilha, a água mansa, ou a braveza do mar, um cão a se espreguiçar na minha sala sem se importar com quem está a olhar...
Só as coisas naturais me permitiram comparar à Liberdade.
Logo não poderei ser livre, porque outras forças sempre haverão de exercer sobre mim suas amarras institucionais, convencionais, sacramentais e, por incrível que pareça, me dando a impressão que estarei livre. Livre como a voz na canção que sai desprentenciosamente suave e distraída.
As amarras mais ferozes são as que se travestem das mais cordiais

E as máscaras?


Novo formato, nova dimensão, uma máscara a encobrir a face, sair de si...ser o outro, chegar ao outro sem tantos receios. Liquidifica-se o que se foi até então e outros padrões bem como não-padroes assume-se em quatro dias em que o mundo parece acabar em orgias, bebedeiras e folia. Sem preconceito. Tudo para aliviar as tensões. Poucas festas previstas no calendário anual são vividas com tanto entusiasmo como o carnaval.
Una a persona à festa da carne e se tem resultado de que as quarta-feiras de cinza tem mais que motivo de serem pesadas. A ressaca nao é só de bebida, mas moral, os comentários tem ser superficiais para nao sair do enredo da festa, os cansaços dos mais variados, desde dias emendados por noites até ressacas mal recuperadas em sargetas.
A persona entra em cena e o mais primitivo do ser também.
O divertimento do carnaval advém justamente do vazio no qual ele é pautado. Um vazio sem precedentes, que vem de muito tempo, que vem de antes do silêncio em que o universo pairava até o mundo ser criado e outros silêncios tomarem conta do silêncio do que só era uma possibilidade de existência para depois existir solenemente silencioso, buscando encobrir esse silêncio a todo custo.
É contra o silêncio constrangedor que há dentro de si e do silencio das respostas mal dadas, incompletas que o homem luta até hoje, buscando para isso, um barulho qualquer, que por quatro dias o ponha esquecido de seu reinado solitário.
Amanhã amanhecerá noturnamente um dia que carrega o luto dos que morreram na sede de viver pensando que viveram por sair de si para entrar no cerne da vida, para sentir a carne de outrem.
Ânsia de tocar a vida. Tocar a vida não é tocar o mundo. Não se pode confundir um conceito abstrato com um concreto, mesmo que o concreto pareça a demanda direta do abstrato. Não o é.
Tocar a vida é buscar em si o sentido da vida para si, não conhecer o mundano para sentir-se vivo por meio de outro.
Daí surge o conforto de buscar suas leituras esquecidas, suas bíblias guardadas, seus trabalhos, retomar a vida que lhe pareceu ofegar em extase naqueles dias de uma semana perdida.
Uma significação para a vida há se buscar e se perdoar benevolentemente para os grandes feitos do carnaval. O homem confrontando-se consigo mesmo para resgatar-se: vencer a preguiça adqurida pelo ócio, dá notícia aos parentes que está vivo, que o mundo nao acabou depois do carnaval e que ainda resta uma fita..bem ali, veja só, num fio de alta-tensão a balançar esperando o próximo ano a folia recomeçar
Buscar a resposta nos mortos? Quantos filósofos, não? literatos...auto-ajuda, revistas, conversas de botequim, discussões acadêmicas giram em torno das significaçoes que o homem busca para suas demandas interiores. As externas são fáceis de suprir. Mostrar, sorrir, falar, pular, dançar...
Mas dentro, o que verdadeiramente há?

13 de fevereiro de 2010

Por Motivos externos



No fundo, apenas os pensamentos próprios são verdadeiros e têm vida, pois somente eles são entendidos de modo autêntico e completo. Pensamentos alheios, lidos são como sobras da refeição de outra pessoa, ou como as roupas deixadas por um hóspede na casa.

Por não me saber,
Tolo fui de imaginar
Que por mera sensibilidade
Saberia ao outro decifrar

A premissa mais indicada
Para ao outro decodificar
É saber que não se sabe
Que nunca vai se alcansar

Buscando a forma exata
O ângulo ideal
Se pensa que a vida é
Um enquadre crucial

Lugar certo, momento ideal
Pessoa certa, mas qual?
Não buscar verdade absoluta
No meio do caos

Cada um com seu mistério
Há de passar por nós
E amor é o que podemos
No mais humilde de nosso ser
Oferecer de graça
Sem esperar recíproca igual

Não há nada que buscar
Entender de si em tal instância
Como se no outro fosse encontrar
Respostas para o que te atormentas
Visto que cada ser é uma ilha
Repleta de incertezas
Clareiras e Escuridões
Que Perpassam cada ser
Em seu semblante e em seu coração


6 de fevereiro de 2010

Incapacidade de amar?


Um dia, inexplicávelmente, eu estava na faculdade, e ele de longe a me olhar, com ar de anjo decaído. Talvez essa semelhança se devesse ao fato da imagem que eu fazia dele. Fui pregar um cartaz, distraidamente eu estava ajeitando as bordas do cartaz, no cumprimento daquela trivial tarefa. Mas algo me incomodou, a sensação de ser observada sempre me incomoda. Contudo, apesar do primeiro momento de estranhamento, eu passei até gostar daquela sensação. Por entre o verde e algumas colunas que nos separavam e dificultavam que nos olhássemos, apareceram algumas pessoas, olhando o cartaz e lendo suas informações. Eu não deixava de ter qualquer vergonha ao saber que ele me observava, mas o que imperava agora em mim era mais uma curiosidade de decifrar aquele olhar que perscrutava cada gesto feito na intenção de prender cada vez mais sua atenção para mim, cada palavra dita, que mesmo ele não ouvindo, despertaria nele a curiosidade de decifrá-la.

Houve um momento em que eu não mais consegui fugir minha atenção a seu olhar tão penetrante.

Suas atitudes superficiais me espantavam e tiravam meu equilíbrio tão comum e facilidade de manter uma previsibilidade das relações que manteria com as pessoas. Eu que sempre conseguia manter relações profundas com as pessoas, com ele, não mais que algumas palavras triviais, seguida de uma despedida fria. As conversas superficiais sempre me deram uma sensação de fracasso. De não conseguir atingir e chegar ao coração do outro e ele só confirmava essa sensação.

Eu já não tinha o que fazer ali...as pessoas se foram, a conversa acabou, o cartaz estava em seu lugar, assim como cada coisa devia estar. Ele ficou com seu violão na mão e eu segui pelo corredor.

O Batuque do Guarda-chuva lilás

Olhava para ela como quem olha algo que não terá a seu alcance. Todo dia ele a via mais bonita. Se arrumava, se pintava e saia. Da janela da sua casa ele quase que podia descrever todos os movimentos daquela mulher que exercia sobre ele tamanha obsessão. Sempre apressada e, no vigor daqueles passos destemidos, talvez tentasse enterrar a lembrança de um profundo incômodo. Batia a porta com força. Essa força tamanha parecia incompatível com os modos sempre tão bem portados daquela mulher, cuja a educação era irrepreensível. Seus gestos eram sutis e, em atitude espontânea, mas de quem tem consciência da própria beleza, movimentava-se na inquietude sensual do vestido preto. Todo dia a mesma rotina. Se arrumava , se pintava e saia. Nas mãos límpidas e de unhas bem feitas, uma bolsa de grife e um guarda chuva de uma cor tão incomum, tão inexpressiva, tão vazia de significado, que ele julgava desnecessário para a composição daquele perfil tão clássico de mulher.
Era lilás o guarda-chuva.
Ao se assegurar de que não havia esquecido nada, lançava um olhar tão indiferente quanto brilhante para casa ao lado, e aquele brilho incontido e indecifrável quebrava a hostilidade aparente, pois os brilhos quebram qualquer impressão de indiferença. Engraçado que aquele homem que a observava com tanta clandestinidade e agudeza, podia descrever cada passo, cada mínima atitude daquela mulher, só não conseguia captar a expressão do olhar.
A inutilidade do guarda-chuva, para ele, se devia ao fato de nunca chover. Todos os dias o sol inclemente queimava com mais intensidade, e inevitavelmente deteriorava aquela expressão de traços finos e delicados e ia, aos poucos deixando as marcas cansadas que só as longas esperas deixam. Essas marcas se revelavam pela constância de olheras eram tão lilases e presentes quanto a companhia daquele guarda-chuva ausente. Tentava disfarçá-las com maquiagem, mas, de fato, só ela saberia a profundidade delas.
Era tão metódica, que sentia a necessidade de levá-lo todo dia consigo, mesmo sabendo que não iria chover.
O guarda-chuva abria, um coração se fechava.
Quanto mais força ela dedicava a esse ritual, maior era sua tentativa desesperada de fechar-se para o mundo. Abria-o só para que o mofo não o deteriorasse. E aquele olhar, antes indecifrável, tornava-se claro ante a visão de uma abertura tão sem recusas como aquela, mas os dias que se seguiam, sem esperança de inundação, ou quem sabe até de um dilúvio que pusesse fim ao seu tormento tão igual, eram imutáveis. Era tudo isso que ela precisava.
Ele só saia depois dela. Temeria um encontro frontal, com aquela mulher tão independente e ao mesmo tempo tão dependente de um objeto? Ela poderia alegar precaução, caso fosse inquirida sobre a necessidade de um guarda-chuva de dias de sol.
O suor escorria entre o decote que comportava formas tão fartas. E sabe-se lá onde ia se depositar. O vigor com que segurava o guarda-chuva o enciumava. Teria ela, um dia o segurado com tamanha vontade?
Naquele dia, ela fez tudo igual, mas esqueceu o guarda-chuva. Já estava distante de casa quando se lembrou. Não poderia mais voltar para buscá-lo. O guarda-chuva ficara esquecido no canto da porta. O dia transcorrera sem maiores transtornos. Ainda bem que o dia estava limpo, constatou ela. Ao anoitecer, porém nuvens pesadas foram se formando até que o tempo se fechou por completo. Perdera até a carona da amiga de trabalho. No fim do dia tudo estava dando errado. Saiu na esperança de não ser transbordada pelo que tanto temia.
A chuva começara impiedosa e fora tão veemente que desmanchara todas as carcaças que durante o dia ela tentava encobrir. A maquiagem escorrera. O cabelo desmanchara-se. A roupa colara-se ao corpo quase como segunda pele, mostrando por completo aquelas formas tão rijas e bem desenhadas, que ela escondia dentro do vestido preto. Tremia. Estava furiosa pelo esquecimento daquele objeto que julgava tão importante. Esperava o sinal fechar para que pudesse atravessar a rua. Um carro jorrou água nela. Daí perdera por completo a compostura. Disse um palavrão com o motorista. Nesse momento, uma figura inesperada se pôs de pé ao seu lado, de cabeça baixa e com um risinho de canto de boca que tentava conter a muito custo. Um pequeno sorriso incontido, como quem se enche de uma satisfação íntima. Não a olhou de imediato, foi abrindo o enorme guarda-chuva . Ela se sobressaltou com o batucar impactante do guarda-chuva. Deu um gritinho e três pulinhos bem femininos que o fizeram escancarar o sorriso. Fez uma expressão de surpresa tão artificial ao encará-la, que parecia ter sido ensaiada a tempos.
Não ofereceu abrigo no guarda-chuva portentoso, apenas o colocou acima dela. Ela permaneceu imóvel, mas aceitou relutante o abrigo. Calados e imóveis. O sinal já havia fechado. Ele que já estava de posse do guarda-chuva, se apoderou agora daquela mão que ele tanto queria segurar e seguiu resoluto no domínio do que tanto invejara e ao lado do que tanto desejara.